Estou há meses, talvez mais de um ano, ensaiando para escrever esse texto. Ao mesmo tempo em que considero a importância de discutirmos o tema, especialmente do ponto de vista de quem trabalha com a linguagem das roupas, me sinto um tanto desanimada em ter que falar sobre um assunto que deveria ser tão óbvio. Mas, apesar da minha fé na humanidade despencar consideravelmente quando penso nisso, resolvi aproveitar os #16diasdeativismo para tentar dar a minha contribuição para essa questão.
A gente já estabeleceu por aqui que a imagem fala. Não só fala, como é uma baita de uma tagarela. Todo consultor de imagem parte do princípio que quando a gente se arruma (e aqui entram cabelo, maquiagem e outras coisas além da roupa), a gente determina como os outros agirão conosco. Sim, isso é verdade. E não, não dá pra fugir disso porque esse é um mecanismo que a gente usa desde a pré-história.
Mas, vejam bem, a gente determina com relação ao nível de receptividade, também se a pessoa nos percebe mais amigável ou mais na defensiva, mesmo bruta. Isso é determinado se a gente conta, pela aparência, se é mais criativona ou ponderada, se gosta de se destacar ou ter um papel de maior observação, se se permite novas interações ou não… E, tá, dentre as coisas que a gente conta pro outro, a gente fala sobre a nossa relação com o corpo e a sexualidade também. A gente fala se a gente se permite se amar mais, se a gente quer valorizar isso, se a gente quer chamar a atenção pela beleza ou se o ponto principal é o conteúdo.
Mas, sabe o que a nossa imagem não fala (exceto por alguns momentos em que isso foi acordado verbalmente)?
“Eu quero ser destratada, agredida, violada” (de forma física ou psicológica).
Se uma mulher usa uma saia mais curta ou um decote pronunciado (ou ambos), ela quer, sim, mostrar pros outros essas partes que ela gosta tanto em si mesma. É assim que ela se vê bonita – e, afinal, quem não quer se ver bonito e se sentir desejado, né?
Aliás, se ela aparecer nua por aí, isso pode significar, sim, que se sente plenamente confortável com o próprio corpo, que se sente bonita, que se vê sensual e até que gosta de ser admirada. Mesmo assim, a menos que uma mulher te diga, explicitamente, que quer o seu interesse e o seu toque, isso não te dá o direito de invadir o espaço dela.
Tanto essa ideia de que “olha o que ela tava usando” é absurda que, se você passar alguns segundos no “But What Was She Wearing” (tumblr que documenta a roupa que as mulheres usavam quando foram assediadas), vai ver que a maioria das mulheres estava com o corpo muitíssimo bem escondido quando foram desrespeitadas.
A sensualidade na consultoria de imagem
Sim, seja em texto, conversa com cliente, aula ou workshop, eu sempre falo sobre como os elementos do estilo sexy precisam ser dosados (ou retirados) nos ambientes profissionais em que o conteúdo é primordial. Isso porque existem situações para tudo nessa vida e em algumas o que a gente tem pra contar pros outros é mais importante do que as formas do nosso corpo. No trabalho, por exemplo, o tempo que a gente passou estudando e adquirindo experiência precisa vir primeiro do que o tempo que a gente passou na academia ou o resultado daquela plástica nos seios. Independente de gênero ou orientação sexual.
Quando uma cliente fala que quer um relacionamento mais produtivo e duradouro, mas sente que só se relaciona com gente de interesses passageiros e superficiais, também rola uma recomendação de pensar em formas menos óbvias de ser sensual, em jeitos de colocar pro outro que se sentir bela é uma preocupação, mas tem tantas outras coisas que sustentam seu corpitcho. O ponto aqui não é que a mulher vire uma freira, esqueça sua sexualidade, nem que quando ela usa um decote ela tá gritando para o mundo que tá apenas interessada em sexo, mas que ela quer que outras tantas qualidades sejam percebidas e valorizadas.
Quando ela vai conhecer os sogrões, a gente também desaconselha alguns modelitos e a lista segue. Da mesma forma que a gente desaconselha que uma mulher use um terninho corporativo se ela só quiser sensualizar na balada e encontrar alguém pra curtir algumas horas. É uma questão de adequação de necessidades e objetivos, apenas isso.
O desejo e a nossa constituição
Antes de encerrar, só queria lembrar que, como o Freud e o Lacan já cantaram a bola, o que move a gente é o desejo. O Lacan, aliás, já falava que esse desejo aí nem é nosso. É o desejo do Outro (o ambiente em que a gente se insere, a cultura que nos é imposta, o modo, por quem e no meio de quais fomos criados, etc. – ou seja, aquele/aquilo pelo qual fomos constituídos, porque a gente sempre se constitui pelo Outro, até você que tá falando abobrinha aí). Resumindo: meio que todo mundo deseja estar na posição de desejado. Só que, pelo menos no meu breve contato com a teoria psicanalítica, eu não vi nem o Freud, nem o Lacan e nem ninguém falando que o que move a gente é a vontade de ser assediado.
E , olha, trabalhando com imagem, a gente vê que todo mundo encontra uma forma de expressar isso. Tanto a menina que usa saia curtinha, quanto aquele que se fecha em um casacão de couro. Eu já conheci (inclusive alunas e clientes) mulheres que faziam parte de círculos religiosos com várias restrições de vestuário, que tem aquela concepção de feminino como recatado e submisso, e adivinha? Analisando seus estilos predominantes, várias delas tinham como estilo principal o sexy. Veja bem: o modo de vida partia da ideia de recato, pudor e conservadorismo. Nada de decotes, nada de coisas curtas, nada de roupa de “periguete que tá querendo” e, ainda assim, vários elementos que projetavam que a sensualidade era algo extremamente valorizado em suas personalidades. Elas também queriam se colocar na posição de desejadas. Isso também era importante pra elas. Mas, sabe o que elas não queriam?
Pois é.
Isto posto, podemos parar de falar tantas bobagens, agora?
Fantástico, Érica!
Parabéns!