Como usar o que está na moda?

Como usar o que está na moda?

Vira e mexe eu recebo, nas caixas de perguntas e nas mensagens diretas do Instagram, várias dúvidas sobre a mesma questão: como usar o que está na moda?

Geralmente, os elementos que provocam essa dúvida variam. Pode ser a pantacourt, as transparências, as sobreposições e até a famigerada calça de cintura baixa, que toda vez que ameaça voltar causa pânico, suor e lágrimas. Mas é fato: muita gente ainda tem dúvidas de qual posição as tendências devem ocupar no guarda-roupa e na vida. Será que a moda importa tanto assim? Como usá-la sem se deixar limitar por ela?

Embora exista um mercado enorme que se sustenta na ideia de que uma coisa é bonita e outra coisa é cafona, a moda não é de todo ruim. Ela nos oferece possibilidades de expressar diferentes facetas, atualizar nossos looks de acordo com nossos desejos de expressão e de acordo com as fases da nossa vida.

Mesmo assim, é preciso usar a moda com inteligência e parcimônia. Dá uma olhada nesses pontos que eu levantei e me diz o que você acha.

A moda não é tão importante assim

Seja nos looks, seja no seu guarda-roupa, ela não é essencial. Não é preciso entender de moda para lidar com o próprio estilo, e esse processo de identificação e compreensão do próprio estilo pode muito bem passar à margem de toda e qualquer informação sobre tendências e passarelas. As propostas de moda podem complementar a expressão do próprio estilo? Sim, e essa junção pode ser ótima. Mas ela não é obrigatória.

Você não é obrigada a nada

Ainda que a calça de cintura baixa volte, e que ela esteja presente na mocinha da novela, na apresentadora do jornal, nas suas melhores amigas e em todas as araras de todas as lojas que você conhece, você não é obrigada a nada. Se você não gosta, não quer, não se identifica, sente que não é para você, pode passar reto. A polícia da moda não vai bater na sua porta e te aplicar uma multa por não usar calça de cintura baixa e nem vai te obrigar em praça pública a vestir aqueles jeans que a Paris Hilton usava no começo dos anos 2000, que começavam uns 10 centímetros abaixo do ossinho do quadril.

Seu armário não fica desatualizado

É claro que se suas roupas não fazem mais sentido na sua vida, ok, pode ser bom repensar partes desse guarda-roupa. Mas não é porque algo saiu de moda e as tendências agora são outras que você precisa se livrar de tudo o que comprou no verão passado e gastar seu rico dinheirinho em dezenas de peças novas agora e sucessivamente, a cada troca de estação. Se você usar a moda a seu favor, seu guarda-roupa não vai ficar desatualizado.

Roupas podem ser atemporais

Seja uma blusa transparente, um jeans com bordados ou qualquer outro item que foi bem usado em determinada época e depois sumiu das vitrines. Se aquele elemento tiver tudo a ver com o seu estilo e a sua personalidade, você vai usar por anos sem que pareça datado. Eu tenho uma coleção de lenços que herdei da minha avó e da minha tia e que estão na família desde a década de 70 ou 80. Uso todos sempre e vira e mexe alguém elogia como se fossem novidade. E por que? Porque fazem sentido no meu estilo, porque encaixam nos meus looks e traduzem minha personalidade.

Os mecanismos da moda são questionáveis

A moda precisa matar aquilo que era legal antes para empurrar um novo legal, e é assim que as lojas continuam vendendo roupas que nem água, e os consumidores continuam comprando mais do que precisam. Então, sabe essa sensação de que você está precisando comprar umas blusinhas? Questione. Será que é necessário? Se não comprar, vai fazer falta?

Como usar o que está na moda: o lixo da moda

Cena do documentário Unravel / Aeon Video

A indústria da moda é um problema

Do começo ao fim da vida de uma roupa, há várias questões bem complicadas: uso de recursos naturais além do esgotamento, produção poluente, mão de obra mal remunerada e desrespeitada, uma quantidade enorme de lixo gerado. É claro que a culpa por tudo isso é da própria indústria, de políticas públicas, fiscalização… Mas quando a gente cai nessa de ficar comprando sem parar, acaba fomentando tudo isso.

Uma boa dica para quem quer refletir sobre a indústria da moda é o mini documentário Unravel, que está disponível gratuitamente no YouTube. Ele mostra mulheres da cidade de Panipat, na Índia, que trabalham em grandes galpões para onde são enviadas as roupas jogadas no lixo pelo Ocidente. Durante as entrevistas, essas mulheres comentam o dia a dia desmontando as peças que não quisemos, o que elas vêem ali e o que pensam de todo aquele lixo têxtil. Esses diálogos, entrecortados pelas cenas de toneladas de roupas em perfeito estado sendo amontoadas, são impactantes demais pra gente seguir a vida sem repensar a relação com o consumo.

Neste post você também encontra algumas sugestões para rever hábitos: 6 jeitos de consumir com mais consciência.

A moda esvazia símbolos

Não é raro que elementos dotados de significados importantes em uma cultura sejam transformados em algo genérico quando caem nas graças da indústria da moda. Um exemplo é o lenço palestino, que lá por 2007, 2008, era vendido em tudo quanto é cor nos camelôs brasileiros. Só que, na Palestina, aquela peça tem um significado político, ela diz algo importante. E quem usa, concorda com esse significado? Se não concorda, usá-lo como algo vazio não é uma apropriação?

O mesmo pode ser dito do turbante, ou das tranças do tipo box braids. Então, é importante a gente sempre tentar rastrear de onde aquela moda veio, qual é a proposta original dela e se usá-la fere algo em que acreditamos ou algo que um grupo de pessoas defende.

Afinal, como usar o que está na moda?

Sabendo de todas essas premissas que eu listei aqui, você pode se sentir mais confiante e munida de direcionamentos para fazer suas escolhas. Sim, escolhas. Ainda que a indústria da moda nos “empurre” um monte de tendências e nos diga que as roupas agora têm que ser assim ou assado, o que a gente vai trazer pra vida será sempre uma escolha única e exclusivamente nossa.

A moda é muito útil para nos oferecer ferramentas para expressar nossas múltiplas facetas. Ela serve, na prática, para atualizar os nossos looks de acordo com os nossos desejos de expressão, as mudanças da nossa vida e as transformações na nossa relação conosco.

Moda é sobre consumo, mas também é sobre comportamento e contexto. Cada tendência é estudada a fundo antes de chegar a uma passarela ou vitrine. Profissionais especializados analisam diferentes nichos e o momento que cada um está vivendo. Quais são os medos e os anseios desse público? Como ela está sendo afetado por acontecimentos políticos e econômicos? Quais são as prioridades atuais desse nicho que eu estou olhando?

Uma empresa que pesquisa o assunto e é referência mundial para vários setores é a WGSN. Você pode assinar a newsletter mensal para se manter atualizada sobre as tendências apontadas por eles.

É claro que não dá pra ter precisão cirúrgica nessas conclusões, e também algumas tendências de comportamento perduram por muito mais tempo do que uma estação. Mas, sem esses estudos sérios e que balizam não só a moda, mas o design e o varejo como um todo, ficaria mais difícil emplacar uma coleção, porque ela não falaria com o público para o qual foi pensada.

Justamente por trazer como pano de fundo o contexto social, político e econômico que estamos vivendo, a moda é uma ferramenta que impede que nossa comunicação visual permaneça estática. Afinal, nem nós e nem o mundo ao nosso redor somos estáticos.

Em paz com a moda

A moda, quando usada de maneira consciente e inteligente, é uma ferramenta útil e que pode ser parte importante de diferentes mensagens da comunicação visual. Conciliá-la com o estilo pessoal é possível e pode até ser divertido, porque requer informações de moda, referências, inspiração e experimentação. Afinal, não há um jeito certo de incorporar a moda ao estilo pessoal e nem uma dosagem ideal de um e outro. Cabe a nós encontrar ambos – o jeito e as medidas dessa receita – e reencontrá-los vez em quando, cada vez que for necessário reajustar essa relação.

Então, em vez de “como usar o que está na moda”, com regras claras e práticas de como aderir à pochete, a papete ou à bandana, acredito que a grande questão seja: Onde está o meio termo entre o meu estilo, que é permanente, e a moda, que é fluida?

Essa é uma pergunta que eu não posso responder por você, mas vou adorar ler as suas reflexões.