A internet anda em polvorosa por conta da menina que, há 3 anos, resolveu desapegar de todas as suas roupas e investir em uma série de calças pretas, blusas brancas, blazers pretos e um lacinho no pescoço (para dar o toque). Nada mais que isso.
A história é: ela vivia angustiada com o que vestir, se atrasava antes de sair de casa e ainda sofria por pensar que tinha escolhido a roupa errada, quando finalmente colocava os pés na rua. Daí resolveu que se livraria dessa preocupação do jeito que eu contei lá em cima.
Outro que ama o argumento é o Mark Zuckerberg, que seguiu a linha jeans + tenis + camiseta do Steve Jobs, que já fazia isso há anos, usando o mesmo argumento de reduzir preocupações.
Eu concordo que ninguém precisa sofrer na frente do espelho. A vida tá aí pra ser vivida. A roupa é apenas parte disso. O próprio papel da consultoria é reduzir essa preocupação.
O meu ponto é: a imagem comunica. Querendo ou não, ela tá ali tagarelando. Você pode assumir o controle disso ou ser controlado por ela.
E aí você me pergunta: uniforme resolve?
Bom, eu já falei aqui sobre como o Steve Jobs usava terno lá no começo da carreira dele e o Mark Zuckerberg não ia atrás do $$ – quem fazia isso era o Saverin, que tinha uma carinha mais de ‘homem de negócios’, então, né, a história deles não é bem por aí.
Esse é meu primeiro ponto contra. A gente tem necessidades diferentes que requerem uma variação mínima nas possibilidades e o individual importa, mas ninguém é uma ilha.
Meu segundo ponto, com a questão do uniforme em si, é que, além do nosso humor, a gente muda. A vida muda todos os dias e a gente acompanha isso. Evolui, transforma opiniões, substitui necessidades… Não dá pro armário ser o mesmo. No caso da Mathilda, ainda rola uma variação entre modelos e materiais, mas a cor ainda é a primeira informação que a gente absorve e, por isso, uma das mais importantes – mas volto nisso logo mais.
Outra coisa que me incomoda ainda é o argumento de que “a gente tem coisas mais importantes para se preocupar”. Eu sou a primeira que manda cliente ir viajar (com o dinheiro economizado em roupas), quando reclama que não consegue mais comprar como antes porque não sente a mesma necessidade. Mas, né, limites.
Se cuidar é importante, sim. Ter um tempo consigo mesmo, um carinho, dentro daquilo que é saudável. Não dá pra cuidar do outro se a gente se deixar de lado. E uma das coisas que a gente comunica com a nossa imagem é isso: quando a gente se arruma, não só mostra pros outros o cuidado que tem conosco, que é importante, mas também que se preocupa com aquela ocasião.
E não dá pra ser tão extremista. Escolher jeans e camiseta ou calça preta e blusa branca porque “são peças universais” pode ser uma furada enorme. Tudo aquilo que a nossa imagem comunica pro outro, a gente absorve também. Ou seja, se aquilo não faz o menor sentido pra gente, por mais ‘universal’ que seja, a gente vai acabar se retraindo. Uma prova disso é que a minha querida Ana Soares, também consultora de imagem, resolveu adotar o uniforme da Mathilda por uns dias e ela mesma comenta sobre como não se sente 100% feliz quando vê as fotos dos looks. Aliás, repara que sempre rola uma corzinha ali nos sapatos, nas unhas, nos makes… É a verdadeira Ana querendo sair!
O que é importante importante, especialmente no caso da Mathilda, é que tanto preto quanto branco não ficam bem em todo mundo. Eu já cantei a bola por aqui, mas isso tem a ver com aquela história da análise cromática, de como as cores refletem no nosso rosto e podem sobrecarregar a imagem se não forem ideias pra nossa pele. O preto, ainda por cima, tem um ar tanto de autoritarismo quanto de luto e melancolia, ou seja, pode afastar o interlocutor se não for bem usado.
Quando a gente mistura com o branco, entra a questão do contraste. Quanto mais alto o contraste, maior essa noção de autoritarismo, força, distanciamento. E, como eu já expliquei num vídeo, se o contraste não for adequado para a pessoa, a roupa aparece antes. Olhando as fotos, dá pra ver que menina Mathilda tem contraste baixo. Preto e branco são o contraste mais alto possível. Pra conseguir um bom resultado fazendo algo desse tipo é preciso encontrar as melhores cores para si e as melhores formas de coordená-las, primeiro.
O que resolve, então?
O que resolve é ter um armário sucinto, sim, mas que tenha a ver com você. É ter peças que se relacionem entre si, mas que sejam diferentes e permitam várias possibilidades. Você não precisa de 4 calças pretas e 18 calças jeans, você precisa se conhecer para ver aquilo que faz mais sentido – já falei por aqui sobre como um armário versátil não precisa nem ser neutro, aliás. Também não precisa ter medo de usar a moda como uma ferramenta para atualizar o look e pontuar uma mensagem específica que faça mais sentido para o seu momento.
Eleger peças “âncoras” e construir as possibilidades em cima delas é uma ideia mais viável. Nessa linha, vale se inspirar em um projeto muito mais interessante: o Uniform Project, da Sheena Matheiken (para quem não lembra, ela passou um ano vestido o mesmo vestido preto de formas diferentes, isso foi em 2009).
Érica, cheguei até aqui por um post da Ana, que eu a-d-o-r-o de paixão, porque somos cariocas (hahahaha brincadeira), comungamos da mesma linha de pensamento em váááários temas para os respectivos blog/site e quando a gente encontra colegas de profissão que pensem como nós, dá sensação de casa e isso é bom demais. Agora, lendo o seu texto, tenho mais uma colega pra visitar todos os dias.
Adorei seu ponto de vista, algumas ideias eu abordei em vários bate-papos com as meninas também e concordo demais com você. Achei que a Mathilda gerou certo buzz e algumas pessoas até acharam isso mais prático, numa olhada superficial. Mas, se considerarmos os pontos que você colocou tão bem, acho que a ideia mostra de cara seus furos.
Para mim, cor é premissa até para gerar mais criatividade, melhoria (ou apenas sustentação) de humor e informação! Não me vejo nessa situação de uniforme, até porque acho lúdico demais a montagem diária do ‘lego’ do vestir… Beijão!
Oi, Cristina! A Ana é uma querida! Adoro o HVAOFF há tempos e gostei muito quando a conheci e vi que ela é ainda mais incrível pessoalmente.
Eu entendo perfeitamente essa sensação de “casa” e fico feliz que você tenha sentido isso aqui nesse espaço! Certamente vou retribuir a visita 🙂
Super é! E eu também adoro todas as possibilidades que o vestir diário nos traz, mas entendo que não seja tão gostoso para todo mundo. Mesmo assim, pensar nesse tipo de uniforme dela é superficial demais, né, e o nosso papel é justamente ajudar a pessoa a encontrar esse meio do caminho. Beijo!
Olá! Também cheguei aqui pelo post da Ana, não conhecia o blog. 🙂
Como comentei no post do HVAO, eu acho a ideia da Matilda genial simplesmente porque escolher roupa não é um dos meus momentos preferidos. Eu faço as combinações mais aleatórias possíveis e mais de uma vez pensei em montar meu guarda-roupa apenas com jeans, camisetas e tênis. Me dá angústia “montar look” e eu seria mais feliz abrindo o guarda-roupa e não precisando escolher o que vestir pela manhã.
Oi, Andrea!
Feliz pela tua visita e pelo comentário também!
Eu gosto da ideia de limitar as possibilidades. Sou a primeira a falar que um armário cheio realmente é um problema. Meu ponto é que se for pra escolher um uniforme, que seja um que te represente de fato. Não essas soluções que o mercado (preguiçoso) tenta vender como funcionais pra todo mundo, como a da Matilda, ou o jeans camiseta e tênis que você citou… Além de te representar, precisa haver espaço para que essas soluções sejam mutáveis, porque a vida não é estática. Ninguém merece sofrer na frente do armário, ninguém merece perder tempo precioso da vida fazendo algo que não gosta, né? Mas eu acredito que todo mundo merece se sentir bem naquilo que realmente é e não que foi imposto de forma aleatória 😉
beijo!